PADRINHO JOÃOZINHO DIRETOR EXECUTIVO da ARMAC Membro do FOESP - Fórum das Comunidades de Terreiro e de Tradições de Matriz Afro-Brasileira de SP Vice-presidente da FEUCEM Membro do Conselho de Desenv. Participação da Comunidade Negra de Campinas Dirigente Espiritual do Terreiro da Vó Benedita Membro do Comitê Técnico de Saúde da População Negra de Campinas Membro do Coletivo de Combate ao Racismo da CUT Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão no Brasil da OAB
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terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Tragédias coletivas
Escrito por Victor Rebelo
Ao findar o ano de 2004, a humanidade se viu dividida entre dois sentimentos contraditórios. De um lado, a alegria da mesa farta (ainda que muitos não tivessem sequer o necessário), e da recente troca de presentes e abraços emocionados em amigos e familiares.
Antigas mágoas que se dissiparam e novas promessas que animam e dão renovado sabor à vida. De outro lado, mais de duzentas mil pessoas morrem inesperadamente vítimas de uma Tsunami, onda gigante causada por um terremoto no oceano.
Muitos dos que não foram atingidos pela Tsunami e que conheceram seu poder de destruição apenas pelos meios de comunicação se questionaram. Seria justo celebrar a vida enquanto milhares acabaram de morrer e muitos encontram-se desesperados à procura de sobreviventes, sem um lar, sem o que comer e nem onde se abrigar? O que fazer? Uma prece? Uma vibração? Doar um agasalho ou um quilo de feijão? Uma grande tragédia aconteceu, o que fazer?
Por um momento as pessoas acordam para uma realidade que não é a delas. Saem de seu “mundinho” fechado em torno de si mesmas e percebem a dor alheia. Muitos sentem pena, outros, mais esclarecidos, compaixão. A maioria volta rapidamente para sua realidade habitual, como se nada tivesse acontecido. Como se na África explorada e cadavérica, no Oriente Médio enfurecido e sem amor próprio, no Haiti e em outras pequenas ex-colônias, sugadas ao extremo e largadas a um povo sem direção... como se nesse imenso Terceiro Mundo, as doenças, a fome e a violência não criassem diariamente grandes tragédias, passadas despercebidas por aqueles que vivem apenas para “sua” realidade, sem notar que a Realidade é uma só.
Existem, também, aquelas pessoas que não tiveram tempo de questionar a sorte dos que morreram com a onda gigante. “Arregaçaram as mangas” e foram trabalhar, dia e noite, como voluntários no auxílio às vítimas. São verdadeiros despertos, lúcidos diante da vida, diante do próximo.
Frente a inúmeros questionamentos, sacerdotes e representantes de todas as religiões se apressaram em esclarecer seus fiéis, a fim de “limpar a barra” de Deus. Pronto! O julgamento está feito: o culpado é o diabo! É o fim do mundo. Não! Gritam os céticos. Foi um evento natural, geológico. E então, caro leitor? Quem é o culpado? Como a doutrina espírita explica a justiça de Deus nas grandes tragédias?
Progresso coletivo
Em O Livro dos Espíritos, ao perguntar se a destruição é uma lei da natureza, Allan Kardec obtém como resposta que “É preciso que tudo se destrua para renascer e se regenerar, porque o que chamais destruição não é senão uma transformação que tem por objetivo a renovação e melhoramento dos seres vivos”.
Em primeiro lugar, precisamos entender que ninguém morre. O corpo físico denso se transforma, esteja no fundo da terra ou nas chamas da cremação. O duplo etérico se desfaz e sua matéria sutil retorna ao fluido cósmico universal, conforme explicam os espíritos na mesma obra.
E a consciência, o ego, a pessoa? Para aonde vai? Para responder esta pergunta corretamente e da forma que ela merece ser respondida, sugiro ao leitor que estude, pelo menos, O Livro dos Espíritos e O Céu e o Inferno. Ambos os livros são uma série de perguntas de Kardec a espíritos do mundo inteiro através de médiuns. Mas, respondendo de forma extremamente resumida e, por si só, muito vaga, respondo que a pessoa, após a morte do corpo carnal, vai para o mundo dos espíritos.
Então você já entendeu que as pessoas que morreram com a Tsunami, na verdade não morreram, certo? Por isso, ao invés de morrer, vamos usar o termo desencarnar. Só desencarna quem estava encarnado, é óbvio.
Mas o que leva uma pessoa a desencarnar de maneira tão trágica?
Em primeiro lugar, é preciso entender que nenhuma pessoa na Terra está vivendo sua primeira existência como ser humano. A natureza não dá saltos. Tudo no universo se encadeia; uma peça se encaixa na outra em um sistema perfeitamente harmônico. Você já viveu outras encarnações aqui na Terra e possivelmente até em outro planeta.
Acima do ego, você é uma centelha divina, um princípio inteligente individualizado (individualizado sim, separado não, pois não existe nada que não faça parte do Todo, de Deus, a Realidade Suprema). Por algum motivo, você foi direcionado ao Planeta Terra. Isso significa que está sujeito às Leis que regem este planeta, certo? Fome, frio, calor, sede ... viver aqui é estar sujeito a várias forças e necessidades vitais. Terremotos e maremotos, por exemplo, são ocorrências naturais, que têm como causa a própria constituição do globo planetário. Por outro lado, existem determinados eventos planetários que são causados pelo homem, e este, vai sofrendo suas conseqüências (super aquecimento da temperatura devido a buracos na camada de ozônio etc).
Como eu já disse, a natureza não dá saltos, e para que você transcenda a necessidade de viver aqui neste planeta e parta para mundos superiores é necessário todo um processo de evolução, que não ocorre em uma única, mas em inúmeras encarnações.
O Karma, ou Lei de Ação e Reação é imutável, mas sua aplicação não é rígida. Age com justiça para todos, e por isso é flexível, dinâmica e relativa a cada um.
Justiça perfeita
Então, se você já sabe que todos nós já vivemos outras encarnações aqui na Terra; sabe que existe uma Lei de harmonia e perfeição que rege o universo; que é “dado a cada um segundo suas obras”.
Se você está sofrendo, faça o que Kardec aconselhou: procure as causas na vida presente. Se após um exame profundo e sincero (o que as vezes é dificílimo) você chegar à conclusão de que nada fez para sofrer tantos infortúnios, então, pode-se dizer que as causas encontram-se no passado distante, antes desta sua atual encarnação. É que somente agora chegou o tempo das sementes daninhas que você plantou na sementeira dos próprios passos darem resultado. Nestas circunstâncias, é preciso buscar forças, cada um a seu jeito, para transformar o sofrimento em lição bendita e passar pelas situações difíceis da melhor maneira possível.
Com isso, quis mostrar ao leitor que, as pessoas que naquele local, no momento exato em que a onda gigante surgiu arrasadora, ali estavam, é porque a Lei de Retorno (Ação e Reação, ou Karma) assim permitiu. O histórico de vida delas assim determinou. Como eu disse, a Lei do Karma é dinâmica. Muitos que ali poderiam estar, conseguiram, devido a seus atos, criar um novo rumo na vida e desta forma, escapar da tragédia. Cada caso é um caso e precisaria ser analisado individualmente.
Mas, se analisando sob o ponto de vista espiritual, cada um sofre as conseqüências de seus atos, porque existem tragédias coletivas?
Vejamos a questão 737 de O Livro dos Espíritos:
“Com que objetivo Deus atinge a Humanidade por meio de flagelos destruidores? Para fazê-la avançar mais depressa. Não vos dissemos que a destruição é necessária para a regeneração moral dos Espíritos, que adquirem, a cada nova existência, um novo grau de grau de perfeição? É preciso ver o fim para lhe apreciar os resultados. Não os julgais senão sob o vosso ponto de vista pessoal e os chamais de flagelos por causa do prejuízo que vos ocasionam. Mas esses transtornos são, freqüentemente, necessários para fazer alcançar, mais prontamente, uma ordem melhor de coisas, e em alguns anos, o que exigiria séculos”.
Assim, entendemos que, devido a nossos próprios erros, a dor muitas vezes se faz necessária para nos mostrar nosso ponto de equilíbrio interior. É como a criança que precisa por o dedo no fogo para saber que ele queima. Se ela escutasse os conselhos dos pais, não precisaria se queimar. É o caso da nossa humanidade. Quantas dores e sofrimentos poderiam ser evitados se ao invés de guerras procurássemos o caminho da fraternidade.
Mas, vejamos as questões seguintes:
738 – Deus não poderia empregar, para o aprimoramento da Humanidade, outros meios senão os flagelos destruidores? Sim, e o emprega todos os dias, visto que deu a cada um os meios de progredir pelo conhecimento do bem e do mal. É que o homem não aproveita [...].
739 – Os flagelos destruidores têm uma utilidade, sob o ponto de vista físico, malgrado os males que ocasionam?
Sim, eles mudam, algumas vezes, o estado de uma região; mas o bem que disso resulta não é, freqüentemente, percebido senão pelas gerações futuras.
740 – Os flagelos são provas que fornecem ao homem a ocasião de exercitar sua inteligência, de mostrar sua paciência, sua resignação à vontade de Deus, e o orientam para demonstrar seus sentimentos de abnegação, de desinteresse e de amor ao próximo, se ele não está mais dominado pelo egoísmo”.
Portanto, a doutrina espírita de forma alguma é fria, insensível. Ao afirmar, com Jesus, que “a cada um é dado segundo suas obras”, ela também prega o “amai ao próximo como a ti mesmo”, ou ainda, “fora da caridade não há salvação”.
Mas tudo isso não significa que o homem deve ser passivo aos flagelos destruidores. Na questão seguinte, Kardec pergunta se é dado ao homem conjurar os flagelos que o afligem. Os espíritos respondem: “ Sim, de uma parte, mas não como se pensa, geralmente. Muitos flagelos são o resultado de sua imprevidência; à medida que ele adquire conhecimentos e experiência, pode conjurá-los, quer dizer, preveni-los, se sabe procurar-lhes as causas. Mas entre os males que afligem a Humanidade, há os gerais que estão nos desígnios da Providência, e dos quais cada indivíduo recebe mais ou menos, a repercussão. A estes o homem não pode opor senão a resignação à vontade de Deus e, ainda, esses males são agravados, freqüentemente, pela sua negligência.”.
Uma doutrina libertadora
Como podemos perceber, a doutrina espírita não prega o fatalismo e nem o conformismo cego diante das tragédias da vida, até mesmo das chamadas tragédias coletivas. O que o espiritismo ensina é que a lei é uma só: para cada ação que praticamos colheremos a reação. Diante da natureza, enquanto o homem não cuidar do planeta com o devido respeito, receberá cada vez mais os choques violentos como resposta. Nos casos em que a causa independe da ação do homem, ainda assim, o espiritismo nos ensina que não existem vítimas ao acaso. Tudo obedece a um plano perfeitamente harmônico e quando as causas do sofrimento não podem ser atribuídas nesta encarnação, é porque sua origem se perde na noite dos tempos...
A maior lição que a doutrina nos ensina é: fora da caridade não há salvação! Estender nossos braços e amparar os necessitados é a missão sublime de todos os espíritas.
Artigo publicado na Revista Cristã de Espiritismo, edição 31
Sandra Defante
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