Era dia de gira. O terreiro já
estava todo limpo e preparado.
Os médiuns responsáveis pela
limpeza daquele dia conversavam alegremente.
A dirigente e as mães pequenas
já haviam feito todas as firmezas e podiam agora se juntar aos demais médiuns
para um entrosamento maior.
O ambiente era tranqüilo e
feliz.
Duas horas antes do início
efetivo da sessão começaram a chegar os demais médiuns pertencentes a Casa.
Uns mais efusivos que outros
como ocorre em todo grupo, todos se cumprimentam alegremente.
Faltando uma hora para o início
dos trabalhos é iniciada a palestra destinada a assistência e médiuns.
Com a palestra já quase no fim,
eis que chega Dora, médium de pouco mais de três meses na Casa.
Entra quieta e apressada,
cumprimenta os irmãos de corrente com um “Oi” geral, um sorriso amarelo e vai
direto para o vestiário trocar de roupa. Alguns médiuns se entreolham sem saber
o porque daquela irmã nunca se entrosar com eles.
Chega sempre em cima da hora da
sessão, nunca se oferece para ajudar na faxina do terreiro e nem participa das
obras assistenciais. Mesmo quando é sessão de desenvolvimento, entra muda e sai
calada.
Essa atitude dela vem já causando
algum desconforto entre alguns médiuns, que resolvem, com a “melhor das boas
intenções” perguntar a Mãe no Santo, faltando menos de 15 minutos para o início
da sessão, se ela não sabe o porque desse “descaso” para com os irmãos e para
com a própria Casa.
A Mãe no Santo responde:
- Deixem a Dora em paz... ela
tem compromissos previamente assumidos que a impedem de estar mais tempo junto
de nós. Isso não significa que ela não gosta da Casa ou de nós. Por que
ao invés de ficarem especulando não tentam colocá-la mais a vontade em nossa
Casa?
Mas Rodrigo é curioso... e
dispara:
- Mas Mãe, nem quando
ela chega aqui ela fala com a gente direito... Entra muda e sai calada. Assim
fica difícil fazer amizade com ela.
- Ela é tímida. Não lhe passou
pela cabeça que a sua forma de aproximação pode assustá-la ou afastá-la? Menos
julgamento, meu filho e mais amor...
Rodrigo não gostou da resposta
da Mãe, mas silenciou pois o olhar dela lhe disse que o assunto estava
encerrado, até porque a sessão já ia começar.
- Vão para dentro do
terreiro... diz a Mãe. Preciso me preparar.
Rodrigo vai para dentro do
terreiro determinado a descobrir os “tais compromissos” e se Dora era realmente
tímida ou antipática. Afinal, ele trabalhava tanto, fazia tanto pela Casa
limpava, fazia faxina, chegava cedo no terreiro, participava das aulas,
palestras, sessões de desenvolvimento... e tinha o mesmo tratamento que Dora?
Recebia da Mãe o mesmo sorriso, a mesma atenção... Não achava justo isso.
Ia dar um jeito de mostrar para a Mãe que ela estava sendo condescendente
demais com aquela médium tão inexpressiva e indisciplinada.
Começa a sessão... os trabalhos
transcorrem normalmente. Dora incorpora pela primeira vez o seu Caboclo...
Saúda o Caboclo chefe e diz ao Caboclo da Dirigente:
- Esse Caboclo tá muito
satisfeito com o que seu aparelho vem fazendo com minha filha. Ela precisa de
muita orientação e amparo. Não permita que turvem os olhos e o coração do seu
aparelho com maledicências...
O Caboclo chefe responde:
- Pode ficar tranqüilo.
Meu aparelho já sabe.
Ao ver que Dora havia
incorporado, Rodrigo sente aumentar ainda mais a sua inveja... e pensa “Agora
que ela vai ter mais atenção mesmo... se sem incorporar nada já recebia
atenção... agora então...” Rodrigo tenta em vão escutar o que os
Caboclos estão dizendo. A sua ansiedade não permitiu que ele mesmo
incorporasse seu enviado de Oxoce. Desequilibrou-se e acabou ficando sem
receber as irradiações maravilhosas de seu guia, que tenta exaustivamente
chamá-lo a razão, dizendo a seu ouvido:
- Meu filho, reflita no real
motivo que se empenha tanto em ajudar na Casa. É por humildade ou para
“aparecer”. A Mãe tem que zelar por todos igualmente e é óbvio que irá se
preocupar com os que mais necessitam. Abranda o teu coração e sossega teu pensamento
para que possa fazer o que devia ser o teu primeiro objetivo aqui... praticar a
caridade servindo de aparelho para mim e a tua Banda toda...
Mas nada... Rodrigo não lhe
dava ouvidos. A corrente da Casa já havia anulado a ação dos espíritos trevosos
que circundavam o terreiro, mas eles encontravam dificuldade em afastar alguns
pois estavam encontrando ressonância de sentimentos em Rodrigo que estava com a
“guarda aberta”.
O Caboclo Chefe, Sr. Pena
Branca, foi avisado pelos guardiões o que estava se passando. Ele olhou Rodrigo
que de tão cego que estava não percebeu o olhar do Caboclo. O sr. Pena Branca
avançou em direção a Rodrigo que cantava pontos sem prestar a menor atenção a o
que estava acontecendo a sua volta, pois o seu olhar estava fixo sobre Dora
incorporada. Quando deu por conta, Sr. Pena Branca estava na sua frente... e
falou:
- Curumim! Presta atenção na
gira e não em médium. Presta atenção ao seu guia...
- Mas eu não estou sentindo a
vibração dele... acho que não vem hoje...
- Ele está do seu lado! Sempre!
Ele tem compromisso com você e com a Casa. Você é que está preocupado com coisa
que não é para se preocupar e nem saber. Coisa que não deveria ser do seu
interesse. Cuida do teu e do que veio fazer aqui!
Ato contínuo eleva a mão sobre
a testa de Rodrigo sem tocá-la buscando cortar o elo de ligação com os
espíritos trevosos que desta feita insistem em atuar no mental de Rodrigo.
Rodrigo fecha os olhos e
balança suavemente para frente e para trás... o Sr. Pena Branca dá o seu brado
e o Caboclo Flecheiro incorpora em Rodrigo.
Os dois conversam. O Sr. Pena
Branca pede que seja enérgico com Rodrigo. Que o oriente a deixar os assuntos
que não sejam de sua alçada fora de seus pensamentos. Que não seja
intransigente com os irmãos, que controle a sua curiosidade e julgue menos. Que
veja todos os irmãos iguais e que se conscientize do seu papel dentro do
terreiro e dentro da Umbanda.
O Caboclo Flecheiro promete que
irá continuar trabalhando mas que Rodrigo tem o seu livre arbítrio e pede ajuda
nessa tarefa. O Sr. Pena Branca promete interceder também.
Iniciam as consultas e o
trabalho transcorre com tranqüilidade.
Ao término da sessão Dora é só
sorrisos. Feliz por haver incorporado pela primeira vez o seu Caboclo, quase
corre para perto da Mãe e a abraça agradecida.
- Mãe, obrigada! As suas
palavras ontem me deram novo incentivo, nova vida. Renovaram o meu desejo de
crescer, estudar, evoluir. Fiz tudo direitinho conforme a senhora orientou e
hoje vi que não estou louca... Cheguei aqui hoje ainda com um pouco de medo.
Mas... Ele existe mesmo e a sensação é maravilhosa. Aqui é a minha Casa por que
é a Casa Dele. Além do mais, hoje quando fui fazer a entrevista de emprego, me
saí tão bem que já começo a trabalhar na segunda-feira e terei mais tempo para
me dedicar ao Centro e aos estudos da espiritualidade.
A Mãe sorri e responde:
- Viu minha filha? Todos nós
passamos por isso, sentimos esse medo, essa insegurança... só que alguns
esquecem que um dia foram inseguros e tiveram seus problemas também.
Nesse momento a Mãe lança um
olhar significativo para Rodrigo que abaixa a cabeça envergonhado.
Dora acompanha o olhar da Mãe e
vê Rodrigo. Dirige-se a ele sorrindo e com os olhos cheios de lágrimas, diz:
- Rodrigo, você me ajuda?
Gostaria muito de ajudar na limpeza de nosso terreiro e em todas as tarefas
disponíveis, agora que arrumei outro emprego e não trabalho mais em dia de
sessão. Como posso fazer? Falo com quem? Você sempre foi tão prestativo e
atencioso comigo... pode me ajudar?
Felizmente a excitação de Dora
não permitiu que ela percebesse o quão desconcertado e envergonhado Rodrigo
estava, pois ele ouvira na íntegra a conversa entre o seu Caboclo e Sr. Pena
Branca e agora ouvia aquilo...
A Mãe no Santo sorri. Mais uma
lição havia sido aprendida por aquele filho tão querido. Ela volta-se para o
Congá e sorri ao olhar a imagem de seu Caboclo e em pensamento diz: “Obrigada
Pai! Obrigada Umbanda pela oportunidade do aprendizado constante!”
Mensagem
Inspirada por Vovó Maria Conga da Bahia
Médium Mãe
Iassan
30 de
março de 2007
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.